Deltan Martinazzo Dallagnol, procurador da República e ex-coordena a força-tarefa da Operação Lava Jato Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo |
Graças ao empenho do deputado federal Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, esta semana deverá ser colocada em votação na casa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 5/2021, que modifica a composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Por contar com o apoio nos bastidores de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e por potencialmente aumentar a ingerência externa sobre atos de procuradores da República que investigam políticos corruptos, o texto já está sendo chamado de PEC de Gilmar Mendes (ministro do STF que costuma criticar duramente a atuação do Ministério Público) ou de PEC da Vingança (referência ao revanchismo de partidos afetados duramente por denúncias de corrupção, como as que ocorreram no âmbito da Operação Lava Jato).
O CNMP tem a atribuição de controlar administrativa e financeiramente o Ministério Público e o "cumprimento dos deveres funcionais de seus membros", com poderes, por exemplo, para acatar reclamações contra eles e aplicar-lhes sanções.
Atualmente, o conselho é formado por catorze integrantes, a maioria obrigatoriamente oriunda do próprio Ministério Público. Mas isso pode mudar.
A PEC nº 5/2021, de autoria do deputado petista Paulo Teixeira, de São Paulo, abre espaço para maior ingerência política sobre o órgão que controla a atuação dos procuradores. Os críticos da proposta, dentre os quais os próprios integrantes do MP, dizem que ela acaba ou, no mínimo, enfraquece a autonomia dos procuradores.
A PEC tira a indicação de um dos membros do conselho das mãos do Ministério Público e entrega ao Congresso Nacional (que atualmente já indica dois dos representantes). Além disso, o STF e Superior Tribunal de Justiça (STJ) passam a poder indicar um de seus próprios magistrados para o conselho (pelas regras atuais, esses dois indicados precisam ser juízes de fora da corte).
Por fim, a PEC prevê que o corregedor nacional do Ministério Público, eleito pelo CNMP, pode ser alguém de fora da instituição. Atualmente, a função deve ser exercida por um procurador.
Os procuradores da República dizem que a possibilidade de se ter um corregedor de fora do MP cria uma situação sem equivalência em outros órgãos do Estado, em que a regra é que a corregedoria, e portanto a investigação de irregularidades, é exercida por funcionário da própria carreira.
Dentre os partidos que tiveram filiados condenados na Lava Jato estão o PT, o PP, o MDB e o PTB. Entende-se, portanto, porque o desejo de aumentar o controle externo da atuação dos procuradores consegue unir o maior partido de oposição, o PT, a um dos principais partidos do centrão que dá sustentação e sobrevida ao governo de Jair Bolsonaro, o PP.
O PP de Arthur Lira e do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, aliás, está próximo de exibir entre seus filiados o próprio presidente Bolsonaro e muitos parlamentares de sua base que sairão do PSL e do DEM, que está em processo de fusão para se tornar uma legenda de direita antibolsonarista.
Uma dessas fieis apoiadoras do presidente Bolsonaro, a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), ela própria uma procuradora aposentada, foi, na qualidade de presidente da Comissão de Constituição e Justiça, instrumental para o avanço rápido de mais essa PEC que esvazia os mecanismos de combate à corrupção no país.
Mais essa PEC? Sim, a PEC da Vingança não é a única iniciativa promovida a toque de caixa por Lira com o intuito de facilitar a vida de maus políticos e dificultar a de quem precisa investigar e descobrir suas falcatruas.
Teve também a reforma na Lei da Improbidade Administrativa, que reduz a possibilidade de punição a políticos e gestores que cometem irregularidades na função pública. Aprovada na Câmara e no Senado, o texto agora vai à sanção presidencial. Em junho, Bolsonaro disse ser a favor das mudanças na lei, que entre outras coisas abre brechas para o nepotismo.
E tem também o Código Eleitoral, aprovado na Câmara e agora à espera de votação no Senado, que ameniza alguns pontos da Lei da Ficha Limpa, cujo mérito era evitar que as eleições se tornassem um desfile de candidatos encrencados com a Justiça.
O período de Arthur Lira na presidência da Câmara dos Deputados vai ser lembrado pelo desmantelamento dos mecanismos e das normas de controle da corrupção e de irregularidades na administração pública.
Com o apoio inequívoco do governo Bolsonaro e do PT.
Há quem diga que Bolsonaro é refém de Lira. Está mais para casamento de conveniência.
Por Diogo Schelp